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Ano 1

A Imigração Italiana em Guaratinguetá – 1880-1930

Por Marco Giffoni

Artigos - Membros

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Resumo: O presente texto faz parte do trabalho de conclusão de curso apresentado pelo autor na Universidade de Taubaté em outubro de 2003. Trata da imigração italiana para Guaratinguetá no final do século XIX e metade do século seguinte, e sua inserção dentro da comunidade local. O autor coloca-se a disposição para maiores esclarecimentos através do e-mail marcogiffoni@uol.com.br

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Abstract: This text is part of the course conclusion work presented by the author at the University of Taubaté in October 2003. This Italian immigration to Guaratingueta in the late nineteenth century and half of the next century, and their integration within the local community. The author raises the disposal for further information via email marcogiffoni@uol.com.br

Introdução

O presente trabalho publicado nesta seção é parte da monografia que foi elaborada como exigência para a colação de grau do curso de História do Departamento de Ciências Sociais e Letras de Universidade de Taubaté no ano de 2003.

O tema desse trabalho foi escolhido devido ao meu grande interesse pela emigração e imigração de um modo geral, um fenômeno aliás, de grande importância pois, não só serviu como sustentáculo à lavoura cafeeira de São Paulo, entre a segunda metade do século XIX e o século XX, como também foi um fator de colonização e de formação da população na região sul do país, além de terem sido os elementos intensificadores do então nascente surto industrial.

Optamos por elaborar um trabalho que procurasse mostrar a influência do imigrante italiano na cidade de Guaratinguetá pois, constatamos que a chegada dos mesmos coincidiu com o período compreendido entre a decadência do café e a introdução de novas atividades econômicas que, no caso desse município foram a pecuária e a industrialização, além de ter sido fator de influência nos aspectos sócio-econômicos e culturais dessa cidade.

Nossa metodologia consistiu, primeiramente, em pesquisa bibliográfica tradicional relacionada à história que mostrassem o histórico da imigração italiana de um modo geral. Foram utilizados também: livros, monografias e jornais locais, possibilitando uma análise mais detalhada do cotidiano do período pois, conseguimos resgatar, em parte, algumas particularidades do município e de alguns imigrantes. Esse fator foi primordial para que nosso objetivo fosse alcançado.

A pesquisa seguiu o modelo dos trabalhos historiográficos ligados à história econômica, seguindo os cânones do trabalho de Caio Prado Júnior e, com a organização social seguindo o modelo trabalhado por Franco Cenni.

Procuramos elaborar uma análise que mostrasse a realidade da imigração italiana em Guaratinguetá e, se tal objetivo deixou a desejar, esse fato se deve à inexistência de dados sistematizados sobre o tema, tendo em vista que as fontes bibliográficas e documentais sobre o assunto específico de Guaratinguetá são bastante escassas.

Para que se pudesse cumprir o objetivo em questão, o presente trabalho foi dividido em capítulos da forma como se segue[1]:

No capítulo 1, mostramos como foi a distribuição do imigrante no Estado de São Paulo e no Vale do Paraíba, bem como a formação dos núcleos coloniais nessa região.

No capítulo 2, a trajetória dos imigrantes italianos na cidade de Guaratinguetá é o ponto central da análise. Destacamos as atividades desenvolvidas pelos mesmos no município.

Como é esperado, em todo trabalho monográfico, tecemos nossas considerações finais sobre a pesquisa, seu desenvolvimento e seus resultados na conclusão.

Esperamos ter  contribuído, mesmo que discretamente, para a história de Guaratinguetá, em específico mostrando as atividades dos imigrantes italianos para o desenvolvimento desta cidade, procurando fazer algo mais que um apanhado bibliográfico e transcrição dos mesmos, mas sim, buscar novos dados e analisar os fatos já existentes, com o objetivo de enriquecer e somar novos elementos a essas análises .

A VINDA PARA O BRASIL

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       1.1 – Busca por Terra e Trabalho

As duas culturas em crise, brasileira e italiana, iriam se encontrar no decorrer do processo de imigração dos italianos para o Brasil: de um lado, um mercado carente de mão-de-obra e, de outro, homens e mulheres que buscavam reconstruir suas vidas.

Os imigrantes que vinham da Itália para o Brasil deparavam-se com uma série de dificuldades, sendo que umas eram resolvidas e outras não pois, nem o governo da Itália e nem o do Brasil estavam em condições de saná-las. Esses imigrantes que tinham como destino o Brasil ou algum outro país das Américas embarcavam em diversos portos na Itália, sendo os de Gênova, Nápoles e Palermo os que apresentavam maior movimento. Tais dificuldades também apareciam durante à travessia do Atlântico pois nela os imigrantes deparavam-se com problemas dos mais variados tipos como a superlotação dos navios, desconforto,  ocorrência de diversos nascimentos e mortes durante a viagem, o surgimento de epidemias de doenças a bordo trazendo transtornos de toda a ordem, provocando atrasos e, até mesmo, a mudança de rota dos navios, que devido aos surtos, muitas vezes eram impedidos de atracarem em determinados portos.

Desembarque de imigrantes europeus no Porto de Santos (1905) – Foto publicada no livro “Lembranças de São Paulo” – de autoria de João Emílio Gerodetti e Carlos Cornej

Os imigrantes que se destinavam à São Paulo, desembarcavam no porto de Santos e eram encaminhados por trem para a hospedaria na capital paulista[2], é importante lembrar que a cidade de São Paulo, até a década de 80 do século XIX, era pequena e pouco significativa sob o ponto de vista econômico, sua população nessa época estava em torno de 45000 pessoas e as cidades do interior, por sua vez, não passavam de pequenos grupos de povoamento quase que desprovidos de comércio.

Segundo José Afonso de Carvalho[3], a capital paulista manteve-se a parte do “rush” cafeeiro e de seu movimento comercial; entretanto, o próprio desenvolvimento da lavoura de café iria criar as condições que possibilitariam o crescimento urbano.

Com a imigração a cidade de São Paulo, torna-se o ponto de convergência para ulterior redistribuição de mão de obra a toda a Província. Nesse contexto, destaca-se o papel da hospedaria de imigrantes que tinha importância fundamental para o bom andamento do processo imigratório. A hospedaria de imigrantes foi importante à medida em que fazia parte de uma infra-estrutura necessária para o desenvolvimento do sistema imigratório em São Paulo pois, tinha a função de alojar o imigrante que chegava a São Paulo, e passando a ser também um ponto de encontro de fazendeiros com imigrantes para a contratação de mão-de-obra.

Trem com imigrantes partindo do Porto de Santos com destino à Estação da Hospedaria dos Imigrantes, na cidade de São Paulo (década de 1930). Foto do acervo do Memorial do Imigrante (SP), cedida por Marcelo Tálamo.

Ao serem recolhidos na hospedaria, os imigrantes eram reunidos e era feita a chamada para que pudessem receber o auxílio provincial, que consistia numa ajuda de custo dada pelo Governo Provincial, destinada para cobrir suas primeiras necessidades até conseguirem trabalho. Com o passar do tempo e com o aumento do movimento, a hospedaria dos imigrantes viu-se obrigada a melhorar suas condições para melhor cumprir suas funções e, em 1887, ela passa a ser administrada pela Sociedade Promotora de Imigração

“Dois tipos de imigrantes se dirigiram para a Província da São Paulo, no final do século XIX: o espontâneo, que vinha por conta própria e o introduzido pelo Governo Geral ou Provincial ou por qualquer outro introdutor. De forma geral, o imigrante espontâneo destinava-se à ocupação das pequenas propriedades dos núcleos coloniais, enquanto que o segundo tipo mencionado ia, quase sempre, para a lavoura de cafeeira das grandes fazendas”. (HUTTER, 1972, p. 91).

O imigrante espontâneo era considerado aqueles que vinham para a Província pagando, ele mesmo, a passagem de navio ou, ainda, os que eram introduzidos por conta de contrato com o Governo Geral embarcavam pagando um preço reduzido nas passagens. O governo brasileiro concedia diversos benefícios para o imigrante espontâneo como alojamento, transporte até o destino escolhido por eles, concessão de um lote de terras apropriadas para a cultura devidamente medido e com formas de pagamento facilitadas.

Os imigrantes italianos que se dirigiam para o interior paulista se espalhavam por toda a zona da lavoura cafeeira e vinham, em sua maioria, com famílias constituídas. Nas fazendas, os imigrantes, quando não já as encontravam, construíam suas casas rodeadas de pomares, paióis, chiqueiros e de pequenos pastos, constituindo assim, pequenos domínios encravados nos latifúndios e, atualmente, seus descendentes constituem boa parte das populações das então chamadas zonas da Mogiana e da Paulista onde se localizavam grande parte dessas fazendas de café.

Enquanto que a Argentina trabalhava ativamente a fim de formar na Europa uma opinião pública favorável por meio de uma hábil propaganda, o Brasil, por sua vez, estava voltado para seus problemas internos como a abolição da escravatura e a consolidação do regime republicano, e, por isso, quando passou a pensar em estimular a imigração encontrou o grande obstáculo de uma ignorância completa a seu respeito e uma série de preconceitos de toda ordem, provocados por elementos interessados em sustar o movimento imigratório para o Brasil que espalharam todo tipo de propaganda negativa sobre o país.

No caso brasileiro, o estado, não possuindo escritórios de propaganda ou qualquer organização própria de estímulo à imigração no estrangeiro, foi obrigado a entregar a procura do imigrante à sociedade de colonização e a empreendedores que, por sua vez, confiaram o aliciamento às próprias companhias de navegação que, com a certeza de receber pontualmente as somas correspondentes às suas despesas por parte do governo, introduziam o maior número de imigrantes possível, sem a mínima preocupação de seleciona-los.

“A imigração também constituía uma grande fonte de renda para o estado. O Tesouro de São Paulo, por exemplo, tinha gasto em 1901 para a imigração gratuita cerca de 38.500 contos, enquanto naquele mesmo período recebia quase 300.000 contos em taxas sobre a exportação do café, contra 3.000 contos recebidos em 1888. Neste ano, o valor da exportação do café produzido em São Paulo alcançou 75.000 contos, enquanto em 1900 superou os 246.000, triplicando-o, portanto, em apenas onze anos.” (CENNI, 1975, p. 175).

“Talvez seja única, na história das migrações humanas, na época moderna, a transferência da Itália para outro país de mais de um milhão de homens, em menos de vinte anos.” (CENNI, 1975, p. 176)

Os estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná tinham recebido verdadeiros colonos, isso é, imigrantes que entravam imediatamente na posse da terra e passavam a ser pequenos proprietários rurais, gozando de favores especiais e vivendo sob um regime que nada tinha a ver com o latifundiário.

“Em São Paulo, a imigração processou-se de maneira inteiramente diferente, pois não houve colonização, a princípio, mas simples importação de braços para substituir o braço escravo – “Formar braços para a lavoura” era o que se lia nos jornais daquele tempo e o que pediam a todo instante os deputados na Assembléia Estadual. Formou-se assim, inicialmente, em São Paulo, um proletariado rural ambulante que sendo simplesmente assalariado, mudava de patrão com facilidade.” (CENNI, 1975, p. 181).

A abolição não significou o fim do latifúndio, que continuou a existir porque os grandes proprietários conseguiram forçar o governo a ceder-lhes subvenções, conversões, reversões e outros artifícios. O latifúndio encontrava grandes dificuldades em conseguir a fixação de trabalhadores, o que provocava vários e insistentes pedidos dos fazendeiros para que entrasse no Brasil um número de imigrantes muito superior às reais necessidades da lavoura, fazendo com que a oferta de mão-de-obra excedesse à procura, obrigando os trabalhadores a contentar-se com salários nem sempre razoáveis, podendo serem substituídos com facilidade.

“Na realidade, a introdução da cultura do café não havia representado simplesmente uma mudança de gênero de vida, ao contrário, marcou o início de uma revolução social-econômica que deveria constituir a base para a futura industrialização de São Paulo. A esta evolução está estritamente ligado ao concurso do elemento italiano, que contribuiu decididamente com seu braço, não apenas a revelar as culturas abandonadas pelos escravos, mas a valorizar progressivamente a terra.” (CENNI, 1975,  p. 181).

Áreas até então incultas  e cobertas de matas foram sendo ocupadas, devassadas e cultivadas, enquanto ocorria  uma importantíssima transformação social, com a superação de antigos preconceitos e o progressivo abandono de complexos perniciosos deixados pela abolição. Foi o imigrante quem conseguiu romper essas barreiras formando uma nova mentalidade que deveria caracterizar a atual plasticidade da população paulista e aquele dinamismo que a torna adaptável a qualquer tipo de trabalho.

Muitos imigrantes, após determinado período nas fazendas, amealhando um pecúlio e familiarizando-se com a língua e os costumes brasileiros, tornaram-se pequenos proprietários ou artífices, dando início a um estágio preparatório para a futura formação de indústrias, que deveria tirar da lavoura os capitais necessários para a sua instalação.

“O trabalhador italiano, uma vez dono das terras, não se limitava, como os fazendeiros, a produzir café mas sim introduzir a policultura. Tal iniciativa o colocava a salvo dos golpes sofridos na época da crise da lavoura cafeeira e isto se deve porque nos anos em que o café não era remunerativo, o pequeno proprietário estrangeiro obtinha lucro com os produtos de subsistência.” (HUTTER, 1972, p. 100).

“O imigrante não entrava em novas terras sozinho: seguia-o o comércio, criava a necessidade de crédito, tornava-se indispensável o povoamento e o desenvolvimento das capacidades construtivas de uma cidade.” (CENNI, 1975, p. 183).

A geração proveniente do período da escravidão não poderia ter mudado sua maneira de ser, embora o velho fazendeiro acostumado a não reconhecer outro direito que não o seu, fosse cedendo lugar a uma nova classe dirigente que ia se formando e evoluindo nas cidades.

 

1.2 – A questão da terra: propriedade e colônia

 

A lei de 09 de setembro de 1899 iniciou um período de transição entre a imigração gratuita e a espontânea, enquanto o senador Jorge Tibiriçá apresentava outro projeto de lei em 1901, destinado a facilitar novamente a aquisição de lotes por parte dos imigrantes e, poucos anos depois, em 1911, o Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves, presidente do Estado de São Paulo, enviava ao Congresso uma mensagem que evidenciava uma franca evolução dos poderes públicos do Estado no sentido de extinguir definitivamente a imigração gratuita e assalariada, evolução essa, benéfica e inevitável frente à então crise do café.

Uma nova orientação dada ao movimento imigratório no sentido de torna-lo espontâneo foi dada em 1906, com a fundação da Agência Oficial de Colonização e do Trabalho, destinada a facilitar a colocação dos imigrantes na agricultura e nas indústrias, com a finalidade de fazer de cada imigrante um proprietário que, desse modo, ficaria ligado à nova terra, além disso, essa mesma época marca o aparecimento das primeiras tentativas de se legislar o trabalho dos imigrantes.

Os europeus, emigravam à procura, principalmente da propriedade territorial. Ele só parecia conseguir seu ideal quando se tornava proprietário do terreno sobre o qual trabalhava. O escopo da imigração na época analisada, já era reconhecida por muitos que, além de organizar a mão-de-obra, ela deveria buscar os elementos que contribuiriam para a formação da nacionalidade brasileira, por isso era indispensável que houvesse uma relação mais rigorosa dos imigrantes. Essa idéia já era defendida pela maioria dos membros da Sociedade Central de Imigração do Rio de Janeiro, que eram partidários mais da colonização por meio de implantação de núcleos coloniais, do que da imigração como mão-de-obra para a lavoura cafeeira.

O governo brasileiro compreendeu a importância deste fato e se propôs a facilitar ao imigrante a aquisição de terras e, com esta finalidade foram criados os núcleos coloniais. Grande parte desses imigrantes que tinham em vista trabalhar por conta própria, em pequenas propriedades, eram encaminhados para esses núcleos que começavam a se formar. De um modo geral, assim que o pecúlio era suficiente para comprar um pequeno lote de terra, o imigrante se apressava em deixar o trabalho assalariado e adquirir a sua propriedade. Houve inúmeros casos de imigrantes que, apesar de terem contraído dívidas quando chegaram ao Brasil, conseguiram pagá-las e ainda economizar a quantia necessária para a compra de propriedades.

“Pode-se dizer que os núcleos coloniais de São Paulo, começaram a serem organizados visando duas metas: formar uma reserva de mão-de-obra para a grande lavoura de café, e facilitar ao imigrante a aquisição de um lote de terra para o cultivo.” (HUTTER, 1972, p. 102).

O governo brasileiro aproveitava o ideal do imigrante de se tornar proprietário para atraí-lo para o país, podendo assim, enfrentar a concorrência de outros países como os Estados Unidos,  Argentina, Uruguai, dentre outros, que também procuravam conquistar a preferencia dos imigrantes.

Os núcleos coloniais foram, em parte, formados em terras que outrora haviam sido utilizadas para o cultivo do café, no entanto, nas pequenas propriedades construídas nas colônias predominou a policultura, ou seja, as colônias, além de viverem da cultura de subsistência, serviam também para abastecer as cidades vizinhas que se desenvolviam próximas a elas.

“No ato da compra de um lote, em se tratando da Província de São Paulo, o colono recebia, inicialmente um título provisório, sendo que o título definitivo de propriedade só era obtido após seu valor ter sido pago inteiramente, ou seja, somente após terem sido saldadas as dívidas com a Fazenda Nacional e após o imigrante provar que estava residindo, no mínimo, há um ano no lote e realizado a cultura efetiva no mesmo.” (HUTTER, 1972, p. 111).

Na compra de um lote de terra na Província de São Paulo, o imigrante se obrigava a tratar da conservação dos marcos tão logo recebesse o lote medido e demarcado e, depois disso, teriam um prazo de seis meses para deixarem a terra devidamente roçada e plantada, além de serem obrigado a construir uma casa para servir de habitação permanente de seus ocupantes. O descumprimento de tais regras poderia acarretar na perda do terreno e de todas as benfeitorias nele realizadas e das parcelas da dívida com a Fazenda Nacional já pagas antes da perda da posse do terreno mas, haviam casos em que tal regra não era aplicada como no caso de enfermidade do proprietário, por exemplo. Somente eram dispensados da obrigação de morada e cultura efetiva os lotes de menor superfície, nos distritos urbanos, concedidos para qualquer fim de reconhecida utilidade, devendo ser aproveitados convenientemente no espaço de dois anos.

Os primeiros núcleos coloniais agrícolas de São Paulo eram divididos em dois tipos: oficiais e particulares. Localizavam-se em diversas regiões do território paulista e, na região do Vale do Paraíba, o processo não foi diferente pois, existia um grande número de colônias, tanto particulares como oficiais, localizadas em cidades como Pindamonhangaba, Taubaté, Lorena, Paraibuna, Santa Isabel, Ubatuba, São Sebastião e outras mais. Atualmente, muitas informações à respeito de algumas dessas colônias se perderam, a maioria delas jamais fora estudada. Documentos e dados referentes as mesmas são muito escassos, como ressalta a obra de Taunay[4] .

Igreja de São João, no Núcleo Colonial do Piaguí, em Guaratinguetá-SP (1984)

Foto: acervo do Museu Frei Galvão-Arquivo Memória de Guaratinguetá

Faremos uma análise mais detalhada nas informações sobre os núcleos coloniais do Vale do Paraíba mais conhecidos, como a colônia de Canas, em Lorena; a de Boa Vista, em Jacareí; a de Quiririm, em Taubaté e a de Piaguí, em Guaratinguetá.

Vista parcial do Núcleo Colonial de Canas, que obteve emancipação política de Lorena na década de 1990

Foto: acervo do Professor Ércio Molinari

O núcleo colonial de Canas, situada entre as cidades de Lorena e Cachoeira Paulista, foi criado com base na Lei da Assembléia Provincial de São Paulo n.º 28 de 29 de março de 1885. As terras onde se assentou o núcleo colonial foram, em sua maioria, adquiridas do Alferes Francisco Ferreira dos Reis e foram divididas em cerca de 82 lotes rurais de 10 hectares cada, que foi aumentado posteriormente para 111 lotes que, foram logo vendidos e ocupados pelos colonos e seus familiares de nacionalidade brasileira e estrangeira. O núcleo colonial de Canas contava com uma escola primária, uma igreja católica (todos os colonos deste núcleo professavam esta religião), um serviço de saúde, dentre outras benfeitorias.

Além da produção de cereais, destinados tanto para a subsistência dos colonos, quanto para a venda no comércio local, a colônia de Canas destacou-se também pela produção de cana-de-açúcar, que era comercializada com o Engenho Central de Lorena, grande produtor de açúcar e um dos fatores que motivaram a criação da referida colônia. A produção e a comercialização de cana ajudou os colonos a saldarem a compra de seus lotes, bem como a execução de diversas benfeitorias na colônia.

O núcleo colonial de Quiririm, tem suas origens, segundo o relatório do Engenheiro Leandro Dupret[5], quando o Dr. Francisco de Paula de Toledo contratou com o Ministério da Agricultura a fundação de um núcleo colonial na fazenda do Quiririm, de sua propriedade, localizada no município de Taubaté, sob diversas condições que, em última análise, reduziam-se a mandar o governo dividir a fazenda em lotes, cedendo o Dr. Toledo sem remuneração alguma, metade da área medida e ficando para si com a outra metade em lotes, intercalados com os do governo, mas obrigando-se a vendê-los a imigrantes nacionais e estrangeiros.

Lavrada a escritura de cessão, nomeou o governo uma comissão para dar começo aos trabalhos técnicos e, em 16 de agosto de 1890, era inaugurada a colônia, que tinha sua sede junto à estação de Quiririm da Estrada de Ferro Central do Brasil. Sua população era de 424 pessoas, distribuídas em 60 lotes urbanos, 48 suburbanos e 56 rurais, sem incluir os lotes que ficaram pertencendo à herança do Dr. Francisco de Paula Toledo.

Esse núcleo colonial possuía diversas benfeitorias e, o estado dos colonos, segundo o relatório de Dupret, era considerado próspero e, ressaltava ainda que faltavam poucos colonos para saldarem a dívida com o governo. Além da produção agrícola, a colônia de Quiririm destacou-se pelo fato de grande parte dos colonos terem se dedicado à produção de tijolos, que eram consumidos em Taubaté, bem como na própria colônia, onde era utilizado na construção de casas.

O núcleo colonial da Boa Vista, na cidade de Jacareí, foi estabelecido em terras da Fazenda Boa Vista, adquirida pelo Governo Geral ao Major Vitoriano Pereira de Barros a 18 de setembro de 1888. Possuía 91 lotes rurais, com uma população de cerca de 455 habitantes. Em seu relatório de 1893, Dupret frisa que a grande maioria dos colonos já estavam com seus lotes quitados e devido a este fato, em pouco tempo esta colônia já poderia ser emancipada, o que de fato ocorreu.

Analisaremos agora, de maneira mais aprofundada por tratar-se de um dos objetivos proposto neste trabalho, a colônia de Piaguí, localizada na cidade de Guaratinguetá.

Capela de Santa Luzia – Colônia do Piaguí – Guaratinguetá-SP (1984)

Foto: acervo do Museu Frei Galvão-Arquivo Memória de Guaratinguetá

Afonso Arinos de Melo Franco em sua biografia sobre Francisco de Paula Rodrigues Alves[6], frisa que a contribuição do ex-presidente da República, nascido em Guaratinguetá, na criação da colônia do Piagui, está em harmonia com a sua maneira de pensar sobre a questão da imigração estrangeira para o Brasil.

Rodrigues Alves no período em que exerceu o cargo de deputado provincial considerava “a óbvia necessidade de substituição do braço escravo pelo do imigrante europeu. Fatores sociológicos e econômicos invencíveis faziam da escravidão uma instituição superada.” Em 1888, como presidente da Província de São Paulo, enfatizava em mensagem dirigida à Assembléia Legislativa: “A grande necessidade da lavoura é o trabalhador para substituir os braços que tendem a desaparecer. Desde que o imigrante encontre terras para cultivar, trabalho que lhe garanta o salário e certos desvanelos para o bom agasalho e tratamento de sua família, está habilitado a tornar-se proprietário, se forem esses seus desejos”. Como presidente da República, Rodrigues Alves estimulou a lei que autorizava o governo a introduzir 100.000 imigrantes de países europeus.[7]

Com base na Lei nº 28 de 29 de março de 1885. O governo da Província adquiriu a fazenda denominada Piaguí, de propriedade do capitão Francisco Rangel de Barros e, pela portaria de 03 de outubro de 1891, foi aprovada a designação feita pelo Dr. Diretor da Superintendência de Obras Públicas, Engenheiro Justin Norbert, para proceder a medição, discriminação e divisão em lotes da mesma fazenda e, finalmente, no dia 23 de dezembro de 1892, o Inspetor-Engenheiro Leandro Dupret oficiava de Guaratinguetá ao Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, comunicando acharem-se terminados os trabalhos técnicos necessários para a fundação do núcleo colonial do Piaguí, podendo iniciar-se, a partir daquela data, suas atividades.

O núcleo foi instalado à margem do rio Paraíba, tendo o percurso entre o porto do núcleo e a cidade de Guaratinguetá, cerca de 6 quilômetros, o que proporcionaria mais uma alternativa de transporte para os imigrantes. Já a comunicação com a cidade por terra, se fazia por meio de uma estrada de rodagem de cerca de 7 quilômetros. A área de cerca de 12.642.875 metros quadrados foi dividida em 95 lotes rurais, 180 lotes urbanos e 8 chácaras Reservou-se também uma área de 21.000 metros quadrados, onde localizava-se a antiga sede da fazenda, com pomar e uma praça que seria destinada a tornar-se logradouro público ou para a construção de edifícios necessários ao núcleo. Os lotes, medindo em média, cerca de 102.000 metros quadrados, eram servidos de água e, em alguns, haviam culturas iniciadas que faziam parte das benfeitorias da fazenda.

Nos primeiros anos da colônia, foi construído para abrigar os imigrantes, um alojamento espaçoso e um grupo de seis casas nos lotes rurais, que serviriam como modelo. É interessante ressaltar que, tanto essas casas, bem como o alojamento, foram construídos com telhas e tijolos fabricados no próprio núcleo colonial.

Entre os habitantes da colônia predominavam em maior número os italianos, seguidos de colonos de outras etnias como  espanhóis, austríacos, alemães, belgas, suecos, franceses, suíços, portugueses, russos e brasileiros, esses originários de diversas localidades do Vale do Paraíba. Entre os italianos destacavam-se, numericamente, os nascidos em Cremona, no norte da Itália. Os de Trieste, por sua vez, eram considerados austríacos, pois nessa época essa região ainda pertencia à Áustria.

Os colonos, em sua maioria, exerciam a profissão de agricultores, mas havia também outros profissionais que exerciam suas atividades no núcleo, como ferreiros, carreiros, pedreiros, carpinteiros, tijoleiros, jardineiros, negociantes, padeiros, relojoeiros e serradores. Entre as mulheres havia uma professora e uma costureira.

Além dos imigrantes, alguns comerciantes de Guaratinguetá também solicitaram a concessão de lotes urbanos para construírem, na colônia, casas de negócio e venda de gêneros alimentícios. Alguns fazendeiros, membros de famílias de destaque na comunidade, também solicitaram lotes para edificarem suas residências.

Para exercer o cargo de Diretor da Colônia, foi nomeado o Coronel Virgílio Rodrigues Alves, que exerceu o cargo sem remuneração a partir de 13 de março de 1892, tendo como ajudante Francisco de Paula Santos Souza e o Dr. Domingos de Morais Filho como responsável pelo serviço médico.

Com o passar dos anos, a colônia recebeu diversas benfeitorias como a construção ou melhorias dos acessos, igreja, escola.

Segundo José Vicente de Freitas Marcondes[8] das colônias valeparaibanas estudadas por ele em sua obra, a do Piaguí é a que oferece melhores resultados econômicos e uma infra-estrutura que deixa transparecer o grau cultural de sues fundadores.

Atualmente ainda encontram-se nas mãos de descendentes dos antigos imigrantes, principalmente italianos, algumas casas de residência e uma produção agropecuária significativa e, não podemos deixar de ressaltar também que, muitos desses imigrantes, bem como seus descendentes também tiveram papel de destaque nas sociedades de Guaratinguetá e de outras cidades do Vale do Paraíba.

Capítulo 2 – O IMIGRANTE ITALIANO EM GUARATINGUETÁ

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        2.1 – Guaratinguetá: uma breve apresentação

Vista parcial da cidade de Guaratinguetá – 1901

Foto: acervo do Museu Frei Galvão-Arquivo Memória de Guaratinguetá

Em 1628, conforme consta no primeiro Livro – Tombo da Catedral de Santo Antonio[9], dava-se a conhecer o povoamento das terras do Vale do Paraíba paulista por Jacques Felix e seus filhos, tendo sido Taubaté a primeira vila fundada na região. Neste mesmo século, surgiu na região o povoado de Guaratinguetá, fundado no dia 13 de junho de 1630, com a construção da capela dedicada ao santo padroeiro do mesmo, Santo Antonio. Em 13 de fevereiro de 1651, o povoado é elevado a categoria de vila. O nome “Guaratinguetá” vem da língua tupi-guarani e significa “local onde há muitas garças brancas”.

 No século XVIII, Guaratinguetá era uma das principais vilas da capitania do Vale do Paraíba e,  neste período ocorrem, além dos ciclos do ouro e do açúcar, fatos de grande relevância religiosa devido ao suposto encontro da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida em 1717, e pelo nascimento de Antonio de Sant’ana Galvão (Frei Galvão), em 1739, o primeiro brasileiro beatificado pelo Vaticano no ano de 1998.

 No século XIX, a vila atingia o seu apogeu com o período do café e foi elevada à categoria de cidade em 1844. Em 1848, nascia Francisco de Paula Rodrigues Alves, futuro Conselheiro do Império e Presidente da República. O ano de 1877 foi marcado pela chegada da ferrovia na cidade, a então Estrada de Ferro São Paulo – Rio de Janeiro, proporcionando maior contato com a Corte e com a capital da província, trazendo grandes benefícios para a cidade.

 A produção cafeeira na cidade atingiu seu auge em 1886 e em 1892 foi fundada a Colônia do Piagui, fato que motivou a vinda de um grande número de imigrantes para Guaratinguetá que, com sua influência e trabalho, muito contribuíram para o desenvolvimento[10].

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2.2 – O elemento imigrante e a cidade

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 No século XIX ocorre a consolidação da cultura cafeeira na região do Vale do Paraíba, fato que se processa com grande intensidade, favorecida pela decadência do ciclo açucareiro. As regiões correspondentes às então províncias de São Paulo e Rio de Janeiro, marcadas por menor tempo pela economia dos engenhos do que as  províncias situadas no nordeste brasileiro, conseguiram adaptar-se à essa sucessão de ciclos econômicos mais rapidamente e, com isso, a invasão dos cafezais em áreas antes dominadas pelos canaviais conseguem evitar a decadência em perspectiva da região. E, em 1836, a produção cafeeira supera completamente o açúcar no Vale do Paraíba.

Segundo Lucilla Hermann (1969), o período áureo do café na região compreende os anos de 1854 a 1886 e, com essa expansão, os municípios da região do Vale do Paraíba se enriquecem, forma-se uma elite rural com grande influência política que estende seu prestígio para o restante do país. O comércio sofre um impulso e as cidades se desenvolvem. Em Guaratinguetá, a situação não é diferente, pois também deve seu desenvolvimento urbano ao café, que trouxe novas possibilidades econômicas, sociais e políticas.

“O café origina-se uma aristocracia rural e, com isso, forma-se em Guaratinguetá uma elite com base econômica e cultural, capaz de liderar na localidade seus partidários, orientando-os pelos mesmos princípios políticos que alimentavam os conflitos no país.” (HERMANN, 1969, p. 169).

A educação privilegiada vai dar à elite rural um papel de grande importância na direção política da cidade, mas esse desenvolvimento intelectual é evidenciado não só pelo aparecimento de membros dessa elite agrícola com profissões liberais ou diplomas como também pelo desenvolvimento do número de escolas e jornais.

O ciclo cafeeiro faz surgir uma outra tendência bastante marcante no município que é a união entre os modos de vida rural e urbano. Tanto em Guaratinguetá, como em outras cidades do Vale do Paraíba que tiveram seu desenvolvimento urbano ligado pela cultura cafeeira, apresentaram um aumento demográfico provocado pela vinda de imigrantes de outras regiões do país e do estrangeiro bem como pelo aumento do número de negros escravos, que consistiam a mão-de-obra abundante e que serviu de base para a economia cafeeira.

Segundo Lucilla Hermann (1969), em 1872 havia em Guaratinguetá um total de 230 indivíduos procedentes de vários países, um número bem menor que em outras áreas cafeicultoras de São Paulo. Deste total, predominavam os homens solteiros de nacionalidade portuguesa, em sua maioria. Mas a abolição da escravatura impôs uma nova realidade, ou seja, a necessidade de substituição do escravo e, a solução encontrada seria a utilização do imigrante como mão-de-obra assalariada.

“Em São Paulo, a imigração processou-se de maneira inteiramente diferente, pois não houve colonização, a principio, mas a simples importação de braços para substituir o mais depressa e de qualquer forma o braço escravo. Formou-se assim, inicialmente, em São Paulo, um proletariado rural ambulante que, sendo simplesmente assalariado, mudava de patrão com facilidade.” (CENNI, 1975, p. 181).

Entretanto, os fazendeiros do Vale do Paraíba que dominavam a política e consideravam suas fortunas indestrutíveis, mantinham a ilusão de que mesmo com a abolição, o escravo não abandonaria o seu senhor e, com isso, asfixiavam a imigração com decretos absurdos baseados em seus preconceitos dificultando assim, o êxito da imigração na região, ao contrário do que ocorria na região do Oeste Paulista onde os fazendeiros incentivavam a introdução do imigrante em suas propriedades.

“Essa diferença de mentalidade pode ser explicada pelo fato de que o fazendeiro do Vale do Paraíba é apenas fazendeiro, o que não é de se admirar, pois quando do auge do café, o seu capital foi todo empregado na compra de terras e escravos e, quando da abolição da escravatura, não possuía recursos para empregar em outras atividades remuneradoras. Ao passo que o fazendeiro do Oeste, mais hábil e modesto, cultivando terras novas, conseguiu desviar capitais para a formação de bancos e sociedades anônimas, passando a ter um novo interesse: alargar o mercado interno e, para isso a extinção da escravatura e a entrada dos imigrantes são fatores decisivos.” (FARIA e outros, 1973,  p. 73).

Em Guaratinguetá, no entanto, observa-se uma mentalidade mais próxima da existente na região do Oeste Paulista. A necessidade das alterações dos quadros econômicos, além da influência da família Rodrigues Alves, de grande expressão no cenário político e favorável a introdução de imigrantes e, bem como a evolução do processo de urbanização do município, foram fatores que fizeram com que a comunidade aceitasse o imigrante estrangeiro, tornando-o parte integrante e atuante do contexto social da cidade.

Com a introdução do imigrante e a abolição da escravatura, começou a se desenvolver em Guaratinguetá o trabalho remunerado. Os imigrantes contribuíram muito com o desenvolvimento do município, sua colaboração consistiu na introdução de novas técnicas de trabalho oriundas das próprias condições em que viviam em seus países de origem.

O número de imigrantes estrangeiros na cidade aumentou consideravelmente a partir de 1892, com o início das atividades da colônia do Piagui[11]. Nessa ocasião, a cidade recebeu imigrantes das mais variadas etnias, que tiveram um papel de destaque na vida comunitária da cidade, exercendo sua influência tanto no meio urbano como nomeio rural e, o imigrante italiano, nosso objeto de estudo, também participou deste processo.

Interior da Casa Rocco, fundada em 1892, pelos irmãos Rocco, na rua Doutor Morais Filho. Este estabelecimento comercial existe atualmente sob a direção de seus descendentes

Foto: acervo do Museu Frei Galvão-Arquivo Memória de Guaratinguetá

É praticamente impossível precisar quando teria vindo o primeiro imigrante italiano para Guaratinguetá, as fontes consultadas mostram que, antes de 1892, ano da fundação da Colônia do Piaguí, já havia a presença de italianos na cidade. Esses imigrantes, em sua maioria financiaram a viagem para o Brasil por conta própria, o que lhes concedeu maior independência. Desses imigrantes, destacamos alguns nomes como Augusto Lucchesi, que começou como mascate e depois tornou-se proprietário de loja; Thomas Rocco, que montou uma relojoaria e posteriormente uma loja de artigos finos que por sinal existe até os dias atuais sob a direção de seus descendentes. Além desses dois nomes, destacamos também os irmãos Barone (alfaiates), Pascoale Panunzio (sapateiro), Rafael Bisseglia (padaria) e Felix Cioffi (médico).

Monsenhor João Filippo – 1906

Foto: Acervo do Museu Frei Galvão-Arquivo Memória de Guaratinguetá

Outro imigrante italiano dessa fase, que teve grande projeção em Guaratinguetá foi o Monsenhor João Filippo, nascido na província de Cosenza, no sul da Itália em 1845 e falecido nesta cidade em 1928. Padre Filippo veio para Guaratinguetá em 1873, logo após a sua ordenação sacerdotal, exercendo por muitos anos o cargo de auxiliar do vigário da matriz da cidade e, posteriormente, como titular da mesma. Publicou diversos livros católicos e realizou diversas obras ligadas à filantropia como a construção dos Colégios Nossa Senhora do Carmo e de São José, do Orfanato Puríssimo Coração de Maria e do Asilo Santa Isabel, bem como as reformas das igrejas matriz, do Rosário e da Santa Casa. Devido a esses atos ligados à religião e à caridade, o nome desse padre imigrante ficou consagrado em Guaratinguetá.

A partir de 1892, com a fundação da Colônia do Piaguí, o número de imigrantes italianos na cidade aumentou consideravelmente. Vindos em sua maioria, de regiões localizadas no norte da Itália, esses imigrantes dedicaram-se à rizicultura e à agricultura de subsistência.

Dentre estes imigrantes que vieram para a colônia, destacaremos a trajetória de um deles, Paolo Biagio Cavalca, nascido em Mantova, região da Lombardia[12] em 1840, tendo imigrado para o Brasil em 1878 juntamente com sua esposa e filhos, dirigindo-se à princípio para a Colônia de Porto Príncipe, no Vale do Itajaí, em Santa Catarina onde, devido a uma série de dificuldades sofridas nesta região e recebendo a notícia da abertura de novas colônias na região Sudeste, transfere-se para lá, deslocando inicialmente para a Colônia de Porto Real, em Resende e depois, para Guaratinguetá, onde ocupa, em 1892, um lote na Colônia do Piaguí, tornando-se uma figura influente e defensora dos interesses deste núcleo colonial, tendo participação ativa nas decisões do mesmo. Foi um dos responsáveis pela petição reivindicando a construção de uma igreja católica na colônia, que foi logo construída, tornando-se uma das principais conquistas destes colonos para o seu núcleo colonial. Paolo Cavalca faleceu em 1911, deixando uma grande descendência, considerada a maior entre os imigrantes italianos em Guaratinguetá.

                 Com o imigrante, notamos em Guaratinguetá uma grande abundância de hortaliças, legumes, etc., produzidas pelas pequenas hortas e especialmente pela Colônia do Piagui, o que demostrava a vantagem desse centro de pequena lavoura nas proximidades desta cidade[13]. Os imigrantes italianos de Guaratinguetá procediam da mesma maneira que seus conterrâneos nas colônias do Oeste de São Paulo, ou seja, mantinham uma agricultura de subsistência, cujo excedente era comercializado em feiras ou mercados nas cidades, complementando assim, sua renda, além de prover um valioso auxílio para ajudar na quitação de seus lotes. Lembrando também que, o imigrante italiano foi o responsável pela introdução de várias verduras na alimentação local sendo que, algumas delas ainda conservam seus nomes italianos como a escarola, beterraba e a rúcula.

A presença italiana faz com que seja criada uma agência consular, cuja função era a de organizar a imigração no município. Além da agência consular da Itália, havia também em Guaratinguetá uma agência consular de Portugal com a mesma finalidade[14].

“Na Província de São Paulo formaram-se dois tipos de imigrantes: aqueles que se internaram no campo e se dedicaram exclusivamente à agricultura, e os que ficavam nas cidades ou nos subúrbios. Os primeiros eram provenientes, na maioria, das províncias vênetas, enquanto que os segundos vinham, em geral, da Itália Central, Meridional e da Sicília.” (HUTTER, 1973, p. 116).

Rua Comendador Rodrigues Alves, antiga rua do Porto, conhecida como a rua dos italianos, por abrigar, na primeira metade do século XX, um grande número de casas comerciais pertencentes à imigrantes desta etnia. Década de 1920

Foto: acervo do Museu Frei Galvão-Arquivo Memória de Guaratinguetá

Em Guaratinguetá esse processo não foi diferente pois, ao mesmo tempo em que os imigrantes se deslocaram para a zona rural, uma outra parcela deslocou-se para a zona urbana, integrando-se a mesma.

“A ‘colônia’ italiana, tanto na capital de São Paulo como em cidades do interior, era constituída de operários dedicados aos mais variados trabalhos, como o de carpinteiro, artífice, sapateiro, alfaiate, barbeiro, vendedor de frutas, carroceiro, cocheiro, carregador de jornais, vendedor ambulante, dourador, engraxate, etc.; todos esses trabalhadores representavam a maioria do elemento operário da cidade, sendo em número superior aos nativos. Uma outra profissão bastante comum entre os italianos e que mais tarde passou a ser quase exclusivamente monopólio dos sírios-libaneses, era a de mascate, ocupação exercida por quem não desejava submeter-se ao regime das fazendas e nem tinha capital suficiente para se estabelecer nas cidades.” (HUTTER, 1973,  p. 116).

Na zona urbana de Guaratinguetá, principalmente na antiga rua do Porto, atual Comendador Rodrigues Alves e em outras ruas próximas a ela, foram os locais em que os imigrantes italianos procuraram-se estabelecer no final do século XIX e princípios do XX, exercendo aí, quase sempre junto a própria casa de moradia, as mais diversas formas de artesanato e comércio. O Anuário Guaratinguetaense da Gazeta do Povo (1904) mostra quem eram esses profissionais e quais as atividades que exerciam, do qual destacamos alguns exemplos como: Anita Casella (padaria); Afonso Gianico (hidráulica); Agostinho Del Mônaco (marcenaria); Antonio Ciccone (tintureiro); Braz Mollica (padaria e restaurante); Caetano Caltabiano (comerciante e fazendeiro); Ernesto Aliandro (serralheiro e representante do consulado da Itália); Francisco Pagano (comerciante de móveis e marcenaria); Francisco Papaterra Limongi (negociante de fazendas e armarinhos); João Darrigo (comerciante); José Amilcar Bedaque (comerciante de secos e molhados); Mariano Del Vecchio (alfaiate), dentre vários outros que, por serem considerados bons artífices, eram bastante procurados para a execução de pequenos e de grandes serviços. Nos dias atuais, muitos descendentes dessas famílias ainda preservam algumas dessas propriedades, juntamente com outros nomes, sendo alguns de origem italiana, aí se estabeleceram com novas casas comerciais. O grande número de comerciantes italianos estabelecidos na rua Comendador Rodrigues Alves no início do século XX, fez com que a mesma ficasse conhecida como a Rua dos Italianos.

Com o declínio do café novas atividades econômicas como a pecuária e a industrialização começam a surgir e vão ganhando força no município visando preencher a lacuna deixada pelo ciclo anterior.  É nesse  período que o imigrante italiano vai consolidar sua influência em Guaratinguetá, onde, com sua cultura e mentalidade progressista, dará o impulso inicial para a industrialização.

“Na realidade, a introdução da cultura do café não havia representado simplesmente uma mudança de gênero de vida; foi algo mais que um simples fenômeno meramente mecânico de substituição de atividades: assinalou, muito ao contrário, o início de uma revolução social- econômica que deveria constituir a base para a futura industrialização de São Paulo. A esta evolução está estritamente ligado o concurso do elemento italiano, que contribuiu decididamente com seu braço, não apenas a salvar as culturas abandonadas pelos escravos mas a valorizar progressivamente a terra. Foi o imigrante quem conseguiu romper as invisíveis, mas sólidas fronteiras que tolhiam o passo para uma renovação, depois que a sociedade tinha perigosamente se cristalizado, em compartimentos estanques: aristocracia, plebeus e escravos. O aceleramento do processo imigratório provocou a rápida formação daquela nova mentalidade que deveria caracterizar a atual plasticidade da população paulista e aquele dinamismo que a torna adaptável a qualquer contingência de trabalho.” (CENNI, 1975, p. 181).

Em Guaratinguetá, os italianos, bem como os demais imigrantes de outras etnias, constituíram um elemento de reforço nas mudanças nos padrões de atividade social e econômica, formando assim, uma conjugação ideal de capacidade produtiva e de disposição para o consumo.

A industrialização surgiu no município procurando se definir como uma solução possível para a crise do café, procurando rearticular o sistema econômico com o desenvolvimento do setor urbano. Na década de 10 do século XX, houve um significativo aumento no número de indústrias, decorrente de várias melhorias na infra-estrutura da cidade, sendo a mais importante, a implantação da energia elétrica, em 1905, que possibilitou a introdução de sistemas de produção mais mecanizados. Nesse decênio, entre as novas indústrias que surgiram destacam-se duas, resultado da influência dos italianos na cidade. A fábrica de massas Moema (M. M. Comércio e Indústria de Alimentos LTDA) foi fundada por volta de 1910 pelos irmãos Marotta e, encerrou suas atividades em meados da década de 90. Essa indústria produzia diversos tipos de macarrão e, além deste produto, possuía também um moinho para a produção de fubá e farinhas de mandioca e de milho. Já a fábrica de imagens Lucchesi (A. Lucchesi e Cia LTDA) foi fundada em 1924 pelos irmãos Francisco e Ângelo Lucchesi, iniciando suas atividades num sobrado, onde fabricavam bonecas em “papier-maché”. A proximidade com a cidade de Aparecida fez com que a produção voltasse para a confecção de imagens religiosas de diversos modelos. Atualmente tendo como proprietário o filho de Ângelo Lucchesi, a empresa fabrica imagens religiosas de gesso e de plástico, além de terços e artigos natalinos, com um quadro de cerca de 70 funcionários e comercializando seus produtos em todo o país.

Nas décadas seguintes, esse número de indústrias aumenta, graças às novas condições de infra-estrutura que vão surgindo como a facilidade de transportes, contato privilegiado com as capitais dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, melhorias nos meios de comunicações, etc. ,gerando com isso um crescimento urbano acelerado e, tal processo foi incentivado pela presença do imigrante como um elemento reforçador, uma vez que possuía hábitos de consumo diversificados.

A presença italiana em Guaratinguetá aumenta com o passar dos anos. O Anuário França (1920), constata a presença de vários imigrantes italianos na zona urbana, exercendo as mais variadas atividades e, uma década mais tarde, esse número aumentou com a vinda de vários outros que também passam a fazer parte da comunidade guaratinguetaense, aumentando ainda mais a sua influencia na mesma e tornando-se responsáveis por uma série de inovações, como, por exemplo, Caetano Caltabiano, que veio para a cidade em 1888, tornando-se proprietário de dois armazéns, sendo um na zona urbana e um outro na zona rural, no bairro das Pedrinhas, onde negociava não só com os moradores daquela localidade como também com fregueses que vinham de Minas Gerais pela Serra da Mantiqueira, que fica próxima a esse bairro. Caetano Caltabiano também possuiu outros negócios em Guaratinguetá e foi proprietário da primeira agência de automóveis da General Motors, instalada na cidade em meados da década de 30.

Outro caso que podemos destacar é o de David Grillo que, na primeira metade do século XX, atuou no ramo de imóveis como construtor, vendedor e proprietário de casas de aluguel. Construiu uma vila de casas nos arredores da cidade que batizou com seu nome, existente até o presente momento.

Propaganda do armazém do imigrante italiano Salvador Marino – Década de 1920  

Imagem: acervo do Museu Frei Galvão-Arquivo Memória de Guaratinguetá

Os imigrantes italianos eram os que mais traziam novidades para a então pacata cidade de Guaratinguetá. O primeiro gramofone que chegou no município, veio em 1912, por intermédio de Salvador Marino e, no ano seguinte, já havia na cidade uma loja destinada a comercialização destes aparelhos. A primeira emissora de rádio da cidade, a Rádio Clube de Guaratinguetá LTDA, foi fundada em 1940 por Francisco Sanini e que tornou-se parte de um sistema de emissoras onde também fazem parte a FM de Guaratinguetá e a Rádio Itajubá, no sul de Minas Gerais, dirigidas pelo seu filho José Luiz Marcondes Sanini.

Assim como ocorria nas demais localidades do país, a integração do imigrante italiano no município de Guaratinguetá também foi intensa, o que mostra que o objetivo do mesmo, assim como seus conterrâneos que fixaram residência em outras cidades era o de trabalhar e prosperar, estabelecendo-se em definitivo na cidade. A vinda dos imigrantes e de seus familiares, muitas vezes acabava acarretando a transferência de outros parentes para o Brasil, que vinham não só com o objetivo de se reunirem à família aqui já estabelecida como também para ganhar a vida e prosperar na nova terra.

Muitos imigrantes italianos adaptaram-se tão bem ao sistema de vida do país, que acabaram por se naturalizarem brasileiros. A naturalização consistia em declarar obediência às leis do país e à Constituição, jurando ao mesmo tempo, reconhecer o Brasil como sua pátria, a partir deste compromisso.

“Os italianos residentes nos núcleos coloniais se naturalizaram em maior proporção, a fim de que a cidadania brasileira lhes permitisse votar e, dessa forma, obter favores para a colônia tais como: estradas, escolas, dentre outros. Os italianos dos grandes centros resistiam mais à naturalização, pois lhes parecia um crime de lesa-pátria, além de ficarem vistos como renegados na comunidade italiana. Mas, apesar disso o contato em maior escala com os brasileiros os assimilava rapidamente.” (HUTTER, 1973, p. 137).

Devido à falta de dados disponíveis, não se pode precisar o número exato de imigrantes italianos residentes em Guaratinguetá que se naturalizaram brasileiros, bem como também não se dispõe de dados sobre os que retornaram à Itália após viverem no município por algum tempo. Com base nos documentos estudados, apuramos que alguns desses imigrantes posteriormente se transferiram para outros pontos do país, mas tal fato ocorria não só em Guaratinguetá como também em outras cidades do país.

“Entretanto, o objetivo da maioria dos imigrantes italianos que vieram para Guaratinguetá era o de se estabelecer em definitivo e, tal fato pode ser notado no elevado número de casamentos entre italianos e paulistas no município que consta no Anuário Demográfico do Estado de São Paulo de 1927 como a maior miscigenação de diferentes etnias do estado.” (CENNI, 1975, p. 236).

A questão da adaptação também pode ser notada nos inúmeros casos de imigrantes italianos que, após se estabelecerem, acabavam por aportuguesarem seus nomes, como no caso do comerciante de jóias Miguel Cavaglieri, que modificou seu sobrenome para Cavalheiro ou então o de José Amilcar Bedaque, também comerciante, filho de imigrantes cujo o sobrenome original era Bedachi. A estes dois exemplos citados seguem-se vários outros.

“As origens de quase todas as sociedades italianas que se formaram no Brasil são bastante parecidas: certo dia um emigrado, ou um pequeno número deles, resolve convocar uma assembléia mais ou menos numerosa, são estabelecidas as linhas gerais de ação, quase sempre assistencial ou recreativa, é escolhido um nome e trata-se de juntar dinheiro para realizar aquilo que sempre constituiu a aspiração desses grêmios: a sede própria. Sedes próprias de sociedades italianas existiram nas cidades mais importantes e em lugarejos quase desconhecidos onde, com o mesmo amor, eram guardados ao lado de grandes oleografias que representavam o rei, a rainha ou os príncipes, os estandartes tricolores.” (CENNI, 1975, p. 247).

Propaganda da Relojoaria Cavalheiro, do imigrante italiano Miguel Cavalheiro – Década de 1920

Imagem: acervo do Museu Frei Galvão-Arquivo Memória de Guaratinguetá

Prédio localizado à esquina das ruas Pedro Marcondes e Morais Filho, que serviu de sede para a Sociedade Italiana de Mútuo Socorro, entre os anos 1933-1939.

Edifício até hoje existente.

Foto: acervo do Museu Frei Galvão-Arquivo Memória de Guaratinguetá

Na primeira metade do século XX, os italianos se reuniam para palestrar no Hotel Guará, fundado por Mário Baruzzi, onde se realizava o tradicional “jantar dos italianos” e, em 1933 foi fundada a “Societá Italiana de Mutuo Soccorso”, nos mesmos moldes das sociedades descritas na citação acima, com finalidades filantrópicas e sociais, onde eram realizados saraus lítero-musicais que, algumas vezes coincidiam com datas importantes para a história da Itália que também eram comemoradas. Essa sociedade encerrou suas atividades em 1939, em decorrência da 2º Guerra Mundial.

Nesse mesmo âmbito sociocultural, também destacam-se a vinda de diversas companhias líricas européias que faziam vinham em turnê para o Rio de Janeiro ou São Paulo e que eram trazidas para Guaratinguetá pelo intermédio de Salvador Marino, onde se apresentavam no antigo teatro, atual sede da prefeitura municipal. Eram consideradas grandes ocasiões culturais, das quais participavam toda a sociedade guaratinguetaense. E, especial destaque também para a livraria Zappa, de propriedade de João Zappa, que possuía uma grande variedade de publicações, chegando a importar livros e jornais da Europa para seus frequentadores, era considerado ponto de reunião dos intelectuais da cidade.

“Longe de constituírem uma “ilha” demográfica, os italianos ingressaram exuberantemente na nova terra, juntando a auriverde bandeira republicana, para o triunfo da qual outros italianos já haviam derramado seu sangue em tempos idos, ao tricolor da península, num único emblema de patriotismo em nome do qual foram semeando em todas as cidades, grandes ou pequenas, e até mesmo em longínquos rincões corporações cívicas, associações garibaldianas e instituições beneficientes que, com o avançar das novas gerações ítalos-brasileiras, foram se transformando em forças tipicamente locais.” (CENNI, 1975, p.182).

O imigrante italiano foi fator de grande influência nos aspectos sócio-econômicos e culturais de Guaratinguetá, integrando-se a essa comunidade onde trabalhou, prosperou, ascendeu social e politicamente, além de  constituir uma descendência que, nos dias atuais, é parte do cotidiano da comunidade.

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CONCLUSÃO

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Conforme pudemos verificar no decorrer do trabalho, a imigração italiana em Guaratinguetá possui muitas das características comuns à outras regiões do Brasil.

Os italianos chegaram aqui num momento em que a Itália passava por um processo de unificação que resultou numa grave crise econômica que gerou diversos transtornos na vida dos habitantes deste país, provocando um grande descontentamento por parte dos patrícios, que passaram a cogitar a transferência para outros locais onde pudessem ter  condições de prosperarem e de levar uma vida melhor.

O Brasil, nesse mesmo período, enfrentava uma grave crise de mão-de-obra, que começara com a proibição do tráfico negreiro em 1850, agravando-se ainda mais com a assinatura da Lei Áurea em 1888 libertando os escravos, o que trouxe grandes prejuízos para os cafeicultores, que foram obrigados a procurar uma nova alternativa de substituição de mão-de-obra pois, não estavam dispostos, devido ao preconceito de raízes da época colonial, de transformar os agora ex-escravos em trabalhadores assalariados.

A solução encontrada para substituir os escravos nas lavouras foi a introdução dos imigrantes nas mesmas. A princípio optou-se pelo sistema de parceria, sendo o senador Vergueiro o primeiro a tomar tal iniciativa, mas que não deu certo devido a má-fé tanto dos cafeicultores quanto dos imigrantes. Com isso buscou-se então uma nova opção, que foi o trabalho assalariado e, assim, um grande número de imigrantes estrangeiros dirigiu-se para o Brasil, sendo o italiano detentor do maior contingente que emigrou para o país, chegando a representar a maior percentagem de toda a imigração nesse período.

Os imigrantes se dirigiram, em sua maioria, para as fazendas de café do Estado de São Paulo, enquanto um outro contingente se instalou nos centros urbanos onde desenvolveu diversas atividades.

No Vale do Paraíba, a transição de mão-de-obra escrava para a assalariada ocorreu de forma mais traumática do que em outras regiões do Estado, pois, a economia cafeeira nessa região estava totalmente baseada no braço escravo. Os fazendeiros valeparaibanos possuíam uma mentalidade diferente dos cafeicultores do Oeste de São Paulo, que consistia em manter todo o seu capital investido em terras e escravos e, por esse motivo, tentaram de toda forma colocar empecilhos para imigração.

Os europeus que emigravam para o Brasil, de um modo geral, vinham com o objetivo de tornarem-se proprietários de uma propriedade territorial e, o governo brasileiro, conscientizando-se de que a imigração, além de organizar a mão-de-obra,  também era a responsável pela formação de elementos que contribuiriam para a formação da nacionalidade do país, se propõe a facilitar ao imigrante a aquisição de terras e, com essa finalidade são criados os núcleos coloniais que, no Estado de São Paulo, localizavam-se em diversas regiões, dentre elas o Vale do Paraíba.

Na região do Vale do Paraíba, as colônias de maior destaque foram as de Quiririm, em Taubaté; a de Boa Vista, em Jacareí; a  de Canas, em Lorena e a de Piaguí, em Guaratinguetá.

A cidade de Guaratinguetá recebeu um grande número de imigrantes italianos que se instalaram tanto no meio rural, onde ocupou lotes na Colônia do Piaguí, quanto no meio urbano, onde desenvolveram as mais variadas atividades. Assim como os demais imigrantes que se deslocaram para outras regiões do país, o imigrante italiano veio para Guaratinguetá com o objetivo de prosperar, ou seja, encontrar um local para trabalhar, adquirir bens e constituir família.

O século XX foi marcado por diversos fatos importantes como o pioneirismo da imprensa regional e o desenvolvimento do setor educacional, com a instalação da Escola Complementar, o Ginásio Nogueira da Gama, a Escola de Comércio e a Escola de Farmácia. Surgem os clubes, o teatro e o mercado. Esse mesmo século presencia a decadência da produção cafeeira e o surgimento de novas alternativas que substituirão o café  como a pecuária, a industrialização e o comércio. Na segunda metade deste mesmo século surgem a Escola de Especialistas da Aeronáutica, a Faculdade de Engenharia (UNESP) e o SENAC.

Atualmente, com uma população de 104.219 habitantes, segundo o censo do IBGE do ano de 2000, o município ocupa uma área de 751 km, a uma altitude de 530 metros acima do nível do mar (Estação Ferroviária), possuindo um clima quente e seco e situa-se a cerca de 176 km da cidade de São Paulo e a 237 km do Rio de Janeiro. É servido por estradas de rodagem como a rodovia Presidente Dutra (Nova Dutra) e por outras estradas que o interligam com as cidades vizinhas, o litoral do Rio de Janeiro e o estado de Minas Gerais, além de ser servida pela ferrovia (MRS Logística) e por um aeroporto de pequeno porte.

Vista aérea de Guaratinguetá – 1985

Foto: acervo do Museu Frei Galvão-Arquivo Memória de Guaratinguetá

A economia da cidade está baseada no comércio, na industrialização e na agricultura. O setor turístico encontra-se ligado à religiosidade, com grande movimentação de turistas e romarias que se deslocam à cidade por causa  de suas devoções à Frei Galvão e à Gruta Nossa Senhora de Lourdes, além de peregrinarem pelos outros templos religiosos do município que, assim como várias outras construções datadas da época colonial e do ciclo do café, reúnem uma diversidade cultural e artística. Na zona rural, esse potencial turístico concentra-se nas encostas da Serra da Mantiqueira e no caminho para o Mar e, na zona urbana, destacam-se a arquitetura e a cultura, ocorrendo uma fusão entre o passado e o presente, traços marcantes no município.

A fundação da Colônia do Piaguí, em 1892 e  a chegada de um grande número de imigrantes italianos para Guaratinguetá, coincidiu com o período de transição entre a já decadente lavoura cafeeira e o desenvolvimento e consolidação de outras alternativas de substituição a essa economia, no caso a pecuária, a indústria e o comércio.

Os italianos participaram ativamente dessa fase, marcando-a profundamente com sua influência que se estende aos setores político, econômicos e sociais do município, de onde podemos supor que tal fato pode ter sido decorrente de uma maior facilidade de adaptação desses imigrantes na comunidade do que em outras cidades da região, ainda bastante ligadas à escravidão. Isso se deu em virtude de uma conscientização por parte das elites que dominavam a política local, encabeçadas pela família do ex-presidente Rodrigues Alves, que se conscientizaram de que os quadros econômicos precisariam ser mudados em virtude da abolição e da decadência do café e, com isso tornaram-se simpatizantes da questão da imigração, fazendo com que o município aceitasse com mais facilidade o imigrante. A esse fato soma-se o processo de urbanização pelo qual passava a cidade, gerando um contexto de onde o imigrante tornou-se parte integrante e atuante.

Esses imigrantes italianos, assim como seus conterrâneos que se instalaram no Oeste Paulista não se limitaram somente à monocultura pois, no setor rural desenvolveram outras atividades, dentre as quais a agricultura de subsistência, produzindo excedentes que eram comercializados na cidade, uma prática até então desconhecida no município. E no setor urbano, para onde se dirigiram muitos imigrantes que vieram para o Brasil com o objetivo de se tornarem comerciantes ou artífices, muitos instalaram casas comerciais, pequenas indústrias além de se dedicarem à execução de  atividades artesanais, sem esquecer, entretanto, do aspecto cultural onde o também mostrou sua influência, modificando profundamente os hábitos e o modo de vida dessa comunidade, contribuindo desse modo decisivamente com o desenvolvimento da cidade de Guaratinguetá, cujos efeitos podem ser notados até os dias atuais.

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Notas

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1. Neste caso, considerou-se apenas os capítulos que foram adaptados para publicação no site. A monografia original é dividida em quatro capítulos mais a conclusão, onde o autor aborda, além dos tópicos acima relacionados a questão da situação da Itália no século XIX, abrangendo seu panorama político e a questão da situação econômica do Brasil nesta mesma época.

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2. A antiga Hospedaria, localizada no bairro do Brás, na cidade de São Paulo, abriga atualmente o Memorial do Imigrante, disponibilizando seu vasto acervo, onde descreve todo este processo de chegada dos imigrantes para visitação pública  e pesquisas.

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3.Carvalho, José Afonso de. São Paulo Antigo. Imprensa Oficial do Estado, 1944, p. 48 In HUTTER, Lucy Maffei. Imigração Italiana em São Paulo (1880-1889) – Os Primeiros Contatos do Imigrante com o Brasil. Editora da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1972.

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4.Taunay, Afonso de Escragnolle. História do Café no Brasil. Agir. Rio de Janeiro, 1947, p. 203 In. MARCONDES, José Vicente de Freitas. As Colônias Agrícolas e os Italianos no Vale do Paraíba. Problemas Brasileiros, São Paulo,  n. 195,  p.38, jan. 1981.

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5.Leandro Dupret, engenheiro e inspetor da Secretaria da Agricultura, relata que na região então denominada “Norte do Estado” e na zona litorânea do mesmo localizam-se várias colônias oficiais, dentre elas, as localizadas em Lorena, Taubaté, Jacareí e Guaratinguetá.

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6.FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Rodrigues Alves. Livraria José Olímpio. Rio de Janeiro, 1973,  p. 67.

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7.Id., 1973, p. 68.

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8.MARCONDES, José Vicente de Freitas. As Colônias Agrícolas e os Italianos no Vale do Paraíba. Revista Problemas Brasileiros, São Paulo, n. 195, p. 48,  jan. 1981.

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9.LEITE, Aydano. Guaratinguetá e seus Vultos – Subsídios Documentados. FTD. São Paulo, 1967, p. 59.

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10.Conteúdo proveniente do site da Prefeitura Municipal de Guaratinguetá: http//www.guaratingueta.sp.gov.br

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11.A síntese histórica da Colônia do Piaguí foi descrita no capítulo 1 desta monografia.

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12.No período anterior a 1848, ao contrário da maior parte da Itália, economicamente atrasada, a Lombardia constituiu uma exceção, pois o norte da península se desenvolveu em decorrência das transformações econômicas e sociais que atingiram a Europa no século XIX, que fizeram com que sua indústria se desenvolvesse, prosperando as cidades.

13.O Mercado de Guaratinguetá. Correio do Norte, Guaratinguetá,  15 out. 1895.

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14.SECKLER, Jorge. Almanach do Estado de São Paulo para 1890. Jorge Seckler e Cia. São Paulo, 1890.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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LIVROS:

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  • CENNI, Franco. Italianos no Brasil, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1975.

  • COSTA, Emília Viotti da. Da Senzala à Colônia, São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1966.

  • COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República – Momentos Decisivos, São Paulo: Grijalbo, 1977.

  • FARIA, Teresinha Paiva de, CARVALHO, Maria Rosalina Duarte de, MENDONÇA, Célia Maria de Almeida, COELHO, Benedito Carlos Marcondes. Decadência do Café numa Comunidade Valeparaibana. Faculdade Salesiana de Filosofia, Ciências e Letras de Lorena. Lorena, 1973.

  • FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Rodrigues Alves. 1º volume, Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio, 1973.

  • GOOCH, John. A Unificação da Itália, São Paulo: Ática, 1991.

  • HERMANN, Lucilla. Evolução da Estrutura Social de Guaratinguetá num Período de Trezentos Anos, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1969.

  • HUTTER, Lucy Maffei. Imigração Italiana em São Paulo (1880-1889) – Os Primeiros Contatos do Imigrante com o Brasil, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1973.

  • LAPA, José Roberto do Amaral. A Economia Cafeeira, São Paulo: Brasiliense, 2000.

  • LE GOFF, Jacques. A História Nova, São Paulo: Martins Fontes, 1998.

  • LEITE, Aydano. Vultos do Presente e do Passado – Subsídios para a História de Guaratinguetá, Cruzeiro: Liberdade, 1966.

  • LEITE, Aydano. Guaratinguetá e Seus Vultos – Subsídios Documentados, São Paulo: FTD, 1967.

  • MAIA, Tereza Regina de Camargo, MAIA, Tom. Memórias do Comércio de Guaratinguetá, Guaratinguetá: Sindicato do Comércio Varejista e Associação Comercial e Industrial de Guaratinguetá, 1995.

  • MARTINA, Giacomo. A História da Igreja de Lutero aos nossos dias – A Era do Liberalismo, São Paulo: Edições Loyola, 1996.

  • PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo, São Paulo: Brasiliense, 1980.

  • PRADO JUNIOR, Caio. História Econômica do Brasil, São Paulo: Brasiliense, 1980.

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PERIÓDICOS E ANUÁRIOS:

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ANUÁRIOS:

  • ANUÁRIO GUARATINGUETAENSE DA GAZETA DO POVO. Guaratinguetá: Typografia Nogueira, 1904.

  • SECKLER, Jorge. Almanach do Estado de São Paulo para 1890, São Paulo: Jorge Seckler & Cia, 1890.

  • Secção de Guaratinguetá e Apparecida do Norte. Anuário França, Guaratinguetá: Antonio M. França, 1920, 12p.

PERIÓDICOS:

  • MARCONDES, José Vicente de Freitas. A Contribuição Italiana ao Brasil em 140 Anos. Problemas Brasileiros, São Paulo, n. 134, p. 2-21, dez. 1975.

  • MARCONDES, José Vicente de Freitas. As Colônias Agrícolas e os Italianos no Vale do Paraíba. Problemas Brasileiros, São Paulo, n. 195, p. 36-52, jan. 1981.

  • MERCADO DE GUARATINGUETÁ. Correio do Norte, Guaratinguetá, n. 281, 15 out. 1895.

MONOGRAFIAS:

  • CAVALCA, Márcio Benedito. Paolo Biagio Cavalca – A Maior Descendência Italiana em Guaratinguetá. Guaratinguetá: Arquivo Memória de Guaratinguetá, 1996. 4p. (Guaratinguetá História n. 144).

  • LUCCHESI, Giovanni Ferrucio. Italianos em Guaratinguetá. Guaratinguetá: Arquivo Memória de Guaratinguetá, 1984. 4p. (Guaratinguetá História n. 42).

  • MARCONDES, José Vicente de Freitas. Guaratinguetá, Piaguí e os Italianos. Guaratinguetá: Arquivo Memória de Guaratinguetá, 1984. 4p. (Guaratinguetá História, n. 41).

  • MARCONDES, José Vicente de Freitas. A Rua dos Italianos. Guaratinguetá: Arquivo Memória de Guaratinguetá, 1986. 8p. (Guaratinguetá História n. 64).

  • MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de. Os Cem Anos da Colônia. Guaratinguetá: Arquivo Memória de Guaratinguetá, 1992. 4p. (Guaratinguetá História n. 112).

Arquivos e Museus:

  • Museu Frei Galvão – Arquivo Memória de Guaratinguetá, Guaratinguetá-SP

  • Museu Histórico e Pedagógico Conselheiro Rodrigues Alves, Guaratinguetá-SP

  • Instituto de Estudos Valeparaibanos (IEV), Lorena-SP

  • Memorial do Imigrante, São Paulo-SP

A síntese histórica da cidade de Guaratinguetá encontra-se disponível nos sites:

Prefeitura Municipal de Guaratinguetá:http//www.guaratingueta.sp.gov.br/historia.html

Guaraweb:

http//www.guaraweb.com.br/localizacao.htm

valedoparaíba.com:

http//www.valedoparaiba.com/enciclopedia/verbetes/g/guaratingueta.htm

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